A Questão do Leite

A volta do leite puro

 

Um dos temas que se tornou mais freqüente na prática diária de consultório é o aumento de queixas ligadas ao consumo do leite. Expressões como “alergia ao leite” ou “alergia à lactose” (termo equivocado) estão se transformando em situações comuns para as pessoas. Pais preocupados com a alimentação de seus filhos recebem freqüentemente a recomendação de que é necessário usar um substituto do leite. Hoje em dia o substituto mais comum do leite é o extrato industrial líquido de soja, ardilosamente chamado de “leite” de soja. Esse produto, transformado em salvação para os pequenos que não podem ingerir leite, vem embalado da mesma forma que o leite em pó ou líquido em caixinhas. Dessa forma, existe uma percepção psicológica que tranquiliza os pais. Eles estão tendo a nítida impressão de que estão fazendo a mesma coisa que sempre foi feita ao longo da história da humanidade. Mas, com certeza, não é bem assim.
O leite na história humana
O leite participa da história da humanidade, praticamente ao mesmo tempo em que se iniciou a agricultura. Há cerca de 10.000 anos o uso comum do leite se fez necessário, na medida em que povos tradicionalmente coletor-caçadores, começaram a mutilar o seu espaço ecológico com a agricultura. A transformação da terra em propriedade privada inicia uma profunda fase de mudança na história do homem. Os grupos humanos nômades vão quebrar uma tradição alimentar de mais de 130.000 anos vindo a necessitar de novas fontes de proteína e gordura com qualidade suficiente para manter níveis saudáveis de nutrição. O início das práticas agrícolas restringiria a população de animais de caça. Com isso seria imperioso domesticar alguns animais para manter razoáveis fontes proteicas. Do oriente médio à Europa, e também na África, o emprego de caprinos, ovinos e bovinos inicia a formação de comunidades, que serão o berço de diversas civilizações que foram se sucedendo até os dias de hoje.

Assim uma questão costumeiramente colocada em discussão – se é adequado que um mamífero adulto consuma leite de outras espécies – peca por ter um dos inúmeros “erros de premissas” que compõe o universo de sofismas que obscurece a capacidade de reflexão das pessoas do mundo moderno. Talvez se o homem não consumisse leite não existissem as civilizações atuais. Isso, obviamente, não é um grande predicado, pois, muitos de nós se questionam se o resultado desse processo foi bom para o planeta. Mas, no âmago disso, temos o fato do homem ser um animal onívoro. Apesar de alguns dogmas alimentares (restritivos) não simpatizarem com essa ideia, esse excepcional predicado o habilitou a ser o que ele é hoje em relação a todos os demais seres vivos. Dentro de um contexto estritamente biológico, usar fontes naturais como alimento, sejam elas quais forem, é uma excepcional vantagem adaptativa, como ficou provado ser até o momento atual.
Infelizmente, a evidente transformação dos alimentos em bens de consumo, e a necessidade cada vez maior de incorporar esses bens numa cadeia produtiva, têm afastado as pessoas de fontes alimentares genuinamente naturais.

O emprego do leite para alimentar indivíduos adultos trouxe uma generosa fonte de proteína, de gordura de excepcional qualidade, de vitaminas – principalmente A e D, e de cálcio. Adicionalmente, com o emprego de técnicas rudimentares (caseiras) de processamento e fermentação surge o queijo, o iogurte, a nata e a manteiga. Daí em diante vão surgindo novos empregos do leite, que o transformou em matéria prima dos mais saborosos e sofisticados produtos alimentares, em inúmeras tradições culinárias, muito antes de qualquer técnica industrial aparecer.

Talvez seja mais natural um homem adulto se alimentar de leite, do que seria alterar uma porção qualquer de terra, retirando a população vegetal original e substituí-la por plantas alimentares.

Quando o leite se transformou em problema
De fato algo aconteceu com o leite nesses últimos tempos. Principalmente após a popularização do leite tipo UHT (leite submetido a temperatura super alta) acondicionado em caixinhas descartáveis.

O inicio do problema com o leite surge com a mudança da alimentação do gado leiteiro. A introdução de ração com altas quantias de proteína, baseadas em soja, retirando os animais do campo, e os colocando em confinamento, com a finalidade de aumentar a produtividade de leite, induz à modificações nas funções endócrinas dos bovinos. Ao mesmo tempo em que obriga o emprego de grandes quantias de antibióticos. Para aumentar a quantia de leite pode ser utilizado o BGH (hormônio de crescimento bovino). Entre outros problemas, esse hormônio causa o incremento de outras substâncias que acabam sendo transferidas ao leite, como o IGF-1 (de ação semelhante à insulina), que resiste à pasteurização e passa para o organismo humano. O IGF-1 está relacionado como o câncer mamário e o câncer de intestino (cólon).

Nos animais o BGH aumenta o número de infecções de úberes, levando a um incremento adicional no uso de antibióticos ao mesmo tempo em que diminui a quantia de gorduras corporais das vacas . Com menos gordura corporal, mais antibiótico pode ser passado para o leite, que no final é ingerido pelo consumidor.

Depois que o leite é coletado ele é pasteurizado, homogeneizado e submetido ao processamento UHT.  Quando o leite é pasteurizado, valiosas e inestimáveis enzimas são perdidas: lactase para assimilação da lactose, galactase para assimilação da galactose, fosfatase para assimilação do cálcio . Isso já pode começar a explicar o problema da intolerância à lactose (infelizmente muito tem se falado de alergia à lactose, o que é incorreto, visto que podemos ter intolerância à lactose por falta de enzimas que promovam sua assimilação. Como veremos mais tarde, a alergia ao leite diz respeito às proteínas do leite, e não ao seu conteúdo de carboidratos).

A rigor inúmeras enzimas naturais do leite são destruídas com o processamento industrial, o que deixa esse produto de difícil digestão, principalmente para crianças. O pâncreas acaba sendo sobrecarregado, o que pode favorecer mais tarde a um quadro de diabetes. A gordura do leite submetida à homogeneização, pode rancificar (oxidar) ou mesmo ser completamente retirada. A gordura oxidada pode gerar colesterol oxidado, um reconhecido fator de doença cardíaca, (não o colesterol em si, mas a sua oxidação!)

O leite sem gordura é vendido como se fosse mais saudável, uma vez que a mutilação cognitiva dos tempos modernos faz o ingênuo consumidor demonificar as gorduras . Esse emburrecimento epidêmico é vital para o incremento do processo industrial sobre os alimentos. Alimentos integrais têm quantias de gorduras genuinamente necessárias. E ao contrário do que “experts” em alimentação ficam dizendo na mídia comercial, a obesidade e todas as doenças correlacionadas ao excesso de peso em nada tem a ver com o consumo de gorduras naturais e genuínas. É um pensamento muito tosco e rudimentar crer que a gordura acumulada no corpo ou nos órgãos seja a gordura que foi ingerida, e de forma inalterada, se acumulou no organismo. Deveria ser considerado um criminoso o indivíduo que divulgasse tamanho absurdo. A obesidade tem a ver com fatores diversos tais como: excesso de carbohidratos refinados, a falta de atividade física e o estresse.

Na verdade a gordura do leite tem especial importância para o consumo humano: proporciona a absorção das vitaminas e dos minerais fundamentais contidas no leite. Sem ela o leite se torna um alimento inútil. O leite desnatado não deveria ser consumido em hipótese alguma . A gordura do leite é a melhor fonte alimentar de pré-vitamina A e de vitamina D. É também fonte de excelentes ácidos graxos de cadeia curta, substâncias que podem ser até mesmo anti-carcinogênicas.

Muitas vezes, é adicionada vitamina D sintética ao leite desnatado, um produto de alto potencial tóxico para o fígado . Além disso, o leite desidratado e sem gordura é rico em nitritos, igualmente tóxico para o organismo.
Os piores alimentos
O leite processado UHT pode ser considerado com um dos piores produtos alimentares disponíveis para os consumidores urbanos. Em primeiro lugar temos os produtos produzidos com gordura vegetal hidrogenada e com óleos vegetais (seja pelo excesso de ácidos graxos tipo trans, ou pelos ácidos graxos oxidados pelo aquecimento, ou ainda, simplesmente porque são produtos oleosos com quantias tóxicas de poliinsaturados tipo ômega 6, um tipo de lipídeo, disponível em pequeníssimas porções nos alimentos naturais, e consumidos em níveis absurdamente altos nos produtos processados ou nos óleos vegetais comuns, como os óleos de soja, girassol e de milho. O excesso de ômega 6 pode estar relacionado a escalada impressionante de doenças ligadas ao sistema imune, doenças degenerativas e do câncer).

Em segundo lugar, temos os produtos que contém açúcar refinado. Finalmente temos os sucos de frutas, que ao contrário das frutas “in natura”, incrementa de forma desproporcional a ingestão de glicídios como a frutose, ou do próprio açúcar (sucos adoçados) ou de adoçantes artificiais (como o aspartame). Os sucos são despojados de fibras, talvez a principal virtude das frutas, uma que a vitamina C é muitas vezes perdida e substituída artificialmente pelo processamento industrial.

Outros problemas
O leite processado tem suas propriedades proteicas modificadas, o que o transformou em um grande causador de alergias de origem alimentar. As alergias podem ser grandes facilitadoras das infecções de repetição em crianças, como as otites crônicas. Pode haver um estímulo aos quadros gastrointestinais (diarreias, dor abdominal, gazes), acne e outras afecções cutâneas, câimbras e anemia ferropriva. Uma proteína enzimática especialmente prejudicial que pode ser ingerida no leite processado sem adequada transformação no intestino, é a xantina oxidase que pode ter relação com doenças cardíacas.

Por mais paradoxal que possa parecer, o emprego de leite bruto, não processado, pode ser um fator de melhora dos processos alérgicos, inicialmente ligados ao próprio consumo de leite (na verdade leite desnaturado).
Exemplos culturais
O pesquisador Weston Price estudou culturas tradicionais como o povo de um vale suíço, (Loetschental Valley). Essa população utiliza leite não processado (nem pasteurizado, nem homogeneizado, nem desnatado), proveniente de gado criado livremente, alimentado exclusivamente em pasto verde.  E esse leite é a fonte alimentar primordial de excelentes nutrientes, sendo um generoso ingrediente da excelente saúde dessa privilegiada comunidade. Tribos masais africanas, faceiros consumidores de leite, extraordinariamente gordo de seu gado zebu, tem excepcional saúde cardíaca e invejável perfil de lipídios sanguíneos (principalmente ótimas taxas de colesterol).

Indiscutivelmente, o consumo de leite é uma das melhores fontes de cálcio, principalmente nas populações mais distantes da linha do equador, para povos que não teriam outras fontes razoáveis de cálcio, como os habitantes de locais com inverno prolongado ou de áreas muito áridas. A falta de bons níveis de ingestão de cálcio pode ter relação, não apenas com os óbvios transtornos de desenvolvimento ósseo, mas também com a hipertensão arterial, alguns tipos de câncer e as artrites. O leite é uma síntese alimentar de nutrientes essenciais que indubitavelmente tem estreita relação com a sobrevivência do ser humano nas mais drásticas condições de vida. Naqueles tempos as pessoas não teriam a insanidade de consumir suplementos alimentares, transformados em pílulas comerciais como opção a fontes alimentares integrais e genuínas e que devem manter as pessoas verdadeiramente integradas à natureza!
Informação corrompida
A questão do leite envolve um grande numero de interesses. O simples fato da facilidade de diagnósticos de problemas ligados à ingestão de leite levar a uma trivial solução: a troca pelo uso de extrato de soja, vulgo leite de soja, já é de levantar suspeitas. Afinal se esse produto fosse bom mesmo não seria “leite” de soja – seria uma insanidade utilizar o nome de um produto verdadeiramente ruim (o leite) para melhorar a inserção no mercado de uma maravilha da tecnologia industrial que envolve: a indústria de sementes, de agro-tóxicos, de transformação alimentar e de embalagens multi-beneficiadas, além, é claro, da ignorância coletiva!

Esse produto pode aumentar de forma muito significativa a ingestão de substâncias que imitam hormônios femininos (fitoestrogênios), o que sob qualquer condição e em quaisquer quantias deveriam ser evitados nas crianças pequenas, principalmente nos meninos, uma vez que qualquer produto similar ao estrogênio é tudo que eles precisam evitar para não gerarem danos nas suas características masculinas!

Além disso, o uso de alimentos com qualidades de hormônio feminino só pode piorar o ambiente fortemente estrogênico propiciado por inúmeras fontes poluidoras modernas (plásticos, agrotóxicos etc.), incrementando ainda mais as já preocupantes taxas de câncer de mama, próstata, transtornos do climatério, dificuldades reprodutivas etc.

Ao invés dos agentes de saúde avaliarem de modo honesto o que se passa com o leite, o produto é sumariamente condenado, e o processo industrial escapa incólume, já que a indústria que produz o leite UHT e seus derivados é a mesma que oferece seus substitutos. Elas não costumam perder nunca.

Situação ainda mais bizarra é a que aconteceu com as fórmulas infantis substitutas de leite materno. No Brasil, infelizmente essas fórmulas são amistosamente chamadas de leites em pó para crianças, ou leite maternizados. Seria muito esclarecedor especificarmos o que tem de “maternal” colocar óleo de canola (produto transgênico), açúcares ou outros produtos vegetais, num alimento que deveria ser exclusivamente de origem do reino animal, como é o leite materno. É com absoluta humilhação que deveríamos enxergar as políticas de estímulo ao aleitamento materno. É como se devêssemos estabelecer políticas de saúde pública para que as pessoas evacuassem ou utilizassem outras funções corporais normais!

Mas como, estamos num franco processo de “desgarramento” de nossa ecologia, de nossa integração com a mãe natureza, aceitamos como normal uma mãe humana, ao contrário de qualquer mamífero “inferior”, não conseguir dar leite para sua prole! Não conseguimos mais manter a vida se não fosse a generosa indústria alimentar! Depois de centenas de milhares de anos de aclamado progresso, nem mesmo conseguimos alimentar naturalmente nossos filhos. É claro que isso torna, também, plenamente aceitável a quantia insana de partos cesáreos, de reprodução assistida, de políticas alimentares que desrespeitam fundamentos das necessidades corporais, do uso promíscuo de cirurgias plásticas, do emprego de medicamentos que modificam a percepção de nossa absurda infelicidade como os antidepressivos modernos ou medicamentos poderosos para crianças ficarem mais integradas a essa “beleza formidável” em que se transformou a sociedade moderna! O anti-natural é comum  e até mesmo honroso!
Alternativas

Os problemas da alimentação ligados ao leite podem ser plenamente combatidos com o uso de leite! A aparente ironia dessa afirmativa diz respeito ao movimento mundial do uso do leite bruto (raw milk), não homogeneizado e nem pasteurizado e, muito menos submetido ao drástico processo UHT. O risco de doenças graves por bactérias como a salmonella e o campylobacter só deveria ser considerado nos indivíduos com severos quadros de imuno-depressão. Em indivíduos saudáveis há pouco risco de prejuízos à saúde, pelo contrário. O emprego do leite bruto pode ser um renovador processo de alívio de inúmeros quadros alérgicos, da prevenção do câncer, além de promover um incremento no estado geral de saúde.

Uma maneira incipiente de melhorar o nosso consumo de leite pode ser feito com o uso do leite tipo A, mantido em refrigeração, facilmente encontrado no mercado. Não é o ideal, mas é o que temos de mais próximo do leite bruto nas cidades brasileiras. Algumas feiras de produtos naturais podem fornecer leite de gado e de caprinos verdadeiramente integrais.

O retorno aos hábitos tradicionais, especialmente pelo emprego de fontes alimentares genuinamente naturais, pode ser a chave da saúde, da felicidade e do verdadeiro encontro com a existência e com a plenitude da harmonia com o meio ambiente! O retorno do uso do leite bruto fornecido por gado solto em pastagens pode ser um belo caminho de recomeço!
(José Carlos Brasil Peixoto)

 

 

Fontes:

sites: www.realmik.com; www.rawmilk.org

Schimd, Ron, ND – “The Health Benefits of Raw Milk from Grass Fed Animals”
Kayala, Daniel – “The whole soy story”

 

Deixe sua Opinião