Eu falo de uma maneira quando estou em sala de aula, de outra quando estou em casa, de outra quando estou na rua com os amigos.
Cada uma delas envolve diferentes pronúncias, um maior ou menor rigor gramatical, maior ou menor presença de gírias e formas reduzidas (“eu tô”, “eles tão”) e até o uso descontraído de termos que, noutro contexto, seriam considerados ofensivos.
Uma vez, numa sessão de leitura, enquanto fazíamos uma interpretação detalhada de um conto de Cecília Meirelles, uma moça propôs uma leitura pedagógica. Citou Piaget, sempre com propriedade, e mostrando aspectos do texto que não tínhamos percebido. O único problema é que em vez de pronunciar “problema” ela pronunciava “poblema”. Eu, uma amiga mais próxima e outras pessoas nos entreolhávamos cada vez que isso acontecia, não para zombar, mas com certo desconforto, um misto de emoções emaranhadas.
Por um lado era desconfortável ver a moça falando errado, como seria desconfortável vê-la com os cabelos sujos e desalinhados, a roupa manchada. O erro dá uma impressão de desleixo, de pessoa que não cuida bem de si mesma, ou que menospreza a tal ponto a opinião alheia que não se dá o trabalho de falar direito. Isso é uma coisa. A segunda, é que na plateia havia crianças que, ouvindo-a dizer “poblema” (e não ser corrigida, porque ficou todo mundo cheio de dedos), talvez achassem que essa era uma maneira certa de dizer e passassem a repeti-la.
Terminada a sessão de leitura e bate-papo com as crianças, alguém disse: “Coitada, vê-se que tem pouca leitura”.
Uma parte da energia que move os preconceitos linguísticos é a sensação de que as deficiências daquela pessoa acabam comprometendo a credibilidade de tudo que ela faz da maneira correta, porque acabamos duvidando (injustamente, às vezes) da sua capacidade de distinguir entre o certo e o errado.
(Bráulio Tavares)
Escritor, compositor, letrista, poeta e pesquisador de literatura fantástica.